CASA ZOZÔ, 800 m2
casa fLUTUANTE
Jornalista: Felipe, você me disse que este é um projeto especial...
Felipe Carolo: É muito especial. Esta casa é toda em arquitetura vernacular feita na década de 1980 pelo arquiteto Ricardo Caruana, um especialista em estruturas de madeira. Ele a construiu para um amigo e, dizem que quando foi conhecer o terreno, brincou: “que bela parede você comprou”. Isso porque há uma inclinação de quase 80 graus. É uma construção peculiar e maravilhosa em um terreno realmente desafiador.
Jornalista: Como surgiu o pedido para a reforma?
FC: A proprietária atual é uma das minhas primeiras clientes. Ela se encantou pela construção quando comprou a casa e não queria descaracterizá-la. O imóvel, que teve apenas dois proprietários antes dela, manteve o clima dos anos 1980 por dentro e por fora. A compra foi de porteira fechada, ou seja, a casa “veio com tudo junto” – decoração, mobiliário, equipamentos e utilitários.
Em um primeiro momento, ela me chamou para atualizar a elétrica e fazer pequenas obras estruturais. Deste pedido, surgiu o desejo para colocar mais luz, já que por ser de madeira escura e ter janelas quadriculadas e em fita, automaticamente a casa era pouco iluminada. Disso, eu sugeri: vamos trocar essas janelas? Ela topou, e, eu fiz também o mar, o protagonista ali, adentrar por meio do vidro e das esquadrias.
Porém, quando iniciamos o processo para instalar as esquadrias, descobri que precisaríamos de reformas estruturais peculiares neste tipo de imóvel.
Jornalista: Quais as peculiaridades neste caso?
FC: Esta é uma casa mimetizada na natureza, em uma área costeira, debruçada no mar e toda estruturada em madeira. A área construída vai diminuindo para baixo e os únicos espaços de alvenaria são as áreas molhadas – cozinha e banheiros – além da estrutura de fundação. Ou seja, temos muita umidade.
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seja toda concebida em estrutura de concreto armado ou em madeira, tem durabilidade de uns 50 anos. Uma casa como esta, por ser superdimensionada, consegue manter a estabilidade com a madeira já um tanto deteriorada. *Isso eu já sabia quando eu iniciei a obra. E, também, que haviam sido trocadas peças grandiosas como os pilares dos três andares.
Mas notei que a estrutura tinha outros pontos muito apodrecidos. Não quis desmontar a casa toda, porque ela é como um Lego. Fui, então, atrás de novas técnicas que possibilitassem igualmente o reaproveitamento da madeira que tivesse que trocar.
O legal da madeira, aliás, é que não gera quebra-quebra e entulho. Eu consigo reaproveitar tudo – tiro uma viga e ela vira um pilar. Tiro um pilar que vira um guarda-corpo. Tiro um pedaço do guarda-corpo que vira uma peça de decoração. Basicamente, a estrutura toda da casa é de ipê vermelho e os decks em cumaru. Só para a piscina são três pilares, na verdade, toras de madeira, com uma altura em torno de 16m. Eu sei de onde vem a madeira nobre, vem da Amazônia. Eu preciso pensar nisso. Esta é uma casa que usa árvore e isso vale ouro!
Preservar o desenho da construção dentro de uma questão de segurança, de durabilidade, sustentabilidade e estética é um grande desafio. Trazer um olhar contemporâneo para uma estrutura antiga sem perder a identidade do imóvel foi o que me guiou o tempo todo – entender que é preciso preservar o que é único por meio de técnicas atuais.
Jornalista: Foi muito mais do que um projeto de interiores então.
FC: Exatamente. Esta obra começou como manutenção e arquitetura de interiores e se tornou um restauro. Um restauro com modernização, já que o perfil da nova proprietária, a maneira como ela usaria a casa, é completamente diferente de quem a usava até então.
Jornalista: Quais foram as obras estruturais?
FC: Quando eu comecei a obra, encontrei, além das vigas que precisavam ser trocadas, problemas na fachada e alterações do projeto inicial que haviam sido realizadas sem escopo técnico de engenharia para a fundação como o grande deck no primeiro nível sobre a casa do caseiro que também contemplava a churrasqueira.
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uma casa construída nadécada de 1980 tinha vários pontos criados para a cultura e os hábitos da época. Os guarda-corpos, por exemplo, eram bem baixos, com apenas 78cm distantes dos 90cm ou 1,05cm exigidos pelas normas de segurança atuais.
A casa não tinha água quente, havia diversos vazamentos e infiltrações, problemas de hidráulica por toda parte. A elétrica foi atualizada para necessidades contemporâneas, as áreas molhadas foram todas reformadas.
E já que estávamos mexendo em tudo, fizemos também a atualização da decoração.
Jornalista: Como foi o processo do projeto de interiores?
FC: Eu recebi muita liberdade de criação com muita confiança. Cheguei a viver uns dias ali. Foi um processo de intimidade, de entender como a cliente queria desfrutar de cada espaço, seus hábitos, necessidades e desejos. Se a ideia era cozinhar com amigos ou receber um cozinheiro, por exemplo. se assistir à TV era um programa, se ler era um prazer, e assim fomos criando juntos o projeto. Ela diz que essa casa é um refúgio para ela – aí estava a minha responsabilidade. Deixar tudo mais prático e agradável para esse local de acolhimento.
Jornalista: Este mármore nos banheiros e na cozinha já existiam?
FC: Não, esta foi uma mudança grande que fizemos. A cliente comprou este imóvel apegada ao clima e à cara que existia ali, não queria mudar muito, mas desejava atualizá-lo. A casa que foi de duas famílias, agora, era dela para usar com o marido e os amigos. Eu falei: vamos manter a identidade, e tornar os espaços mais sofisticados e aconchegantes.
Para isso, fiz escolhas impactantes de revestimentos – no lugar da ardósia dos banheiros, escolhi um mármore italiano, Travertino Navona, furadinho, que traz a rusticidade da pedra de ardósia, mas no tom que buscávamos, meio bege, off white. Essa escolha também se estendeu para a cozinha e a lavanderia.
Jornalista: Quais as alterações nos banheiros?
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FC: também receberam o mesmo padrão. O banheiro é um lugar para se molhar, você está na praia, não precisa de um box fechado, todos ficaram abertos. O acionamento do chuveiro fica do lado de fora.
Além do mármore, todos os banheiros têm essa grande pia esculpida gigantesca. Não é uma pia com uma cuba, tudo é cuba com apoio móvel de prateleira, possível de ser arrastada para os lados.
O banheiro da suíte master tem um ofurô com uma ducha dentro e hidromassagem. Como o quarto, é o único banheiro diferente da casa.
Jornalista: A iluminação recebeu muita atenção, não?
FC: Sendo o pedido inicial da cliente, não poupei em luz. A gente brinca que virou uma casa-farol. Além de ter trocado as janelas para a luz natural invadir os espaços, a ideia era ter uma iluminação que valorizasse a arquitetura e os detalhes. Coloquei luz técnica, luz de desenho, luz decorativa, abajur.
A sala recebeu iluminação própria – à noite, há uma luz que ilumina apenas o teto e que, junto da textura escolhida para as paredes, traz a sensação de um eterno pôr do sol. Na área externa, há uma fita de LED por todo o guarda-corpo delimitando o contorno da casa e luzes agradáveis pelos decks para aproveitar a noite por ali.
Jornalista: Este quarto todo envidraçado com essa vista e rodeado de verde nos abraça!
FC: Essa é a suíte master com essa grande abertura que faz você se sentir inserido na floresta que rodeia a casa mesmo. Eu padronizei a decoração e o mobiliário dos quartos de acordo com as necessidades de uma casa de praia e, claro, trazendo aconchego para apreciar a vista convidativa.
O que você precisa em um quarto de praia? De uma boa cama, de ar-condicionado porque faz calor, e apoios. Por que apoios? Mantivemos os armários embutidos que já existiam em quase todas as suítes, menos em uma que foi totalmente remodelada. Mas, se você vai passar um fim de semana, dificilmente vai usar o guarda-roupa. Por isso, coloquei bancos para abrir a mala. Além disso, todos os quartos têm um mancebo para jogar as coisas à vontade, uma poltrona para relaxar ou ler um livro, uma mesinha de cabeceira bem delicada, e uma luminária de leitura. Tudo clean e funcional.
Todas as camas são de tecido, com exceção da suíte master, porque o quarto é o mais baixo e recebe muita umidade. A cama, neste caso, tinha que ser solta, o colchão tinha que respirar em um estrado e a cabeceira não podia ser estofada, pelo risco de mofo. Esta é uma das regras peculiares da casa. Usei, então, palha ratan no desenho da cama da cliente, a única diferenciação entre os outros quartos é o tapete terracota no chão.
Algo importante que foi feito aqui também foi o tratamento acústico do forro dos quartos para garantir privacidade e não gerar incômodos com uma conversa no andar superior.
Aqui, o protagonista é o mar, essa vista deslumbrante que cerca todo o imóvel. Não queria chamar a atenção com os móveis, mas sim, fazer escolhas para contemplar e desfrutar o que a natureza nos convida.
Jornalista: Qual foi o critério para o mobiliário para sala? Você seguiu a praticidade que usou para os quartos?
FC: A escolha do mobiliário foi feita do lugar de coadjuvante da casa, porém não menos importante. Aqui, o protagonista é o mar, essa vista deslumbrante que cerca todo o imóvel. Não queria chamar a atenção com os móveis, mas sim, fazer escolhas para contemplar e desfrutar o que a natureza nos convida.
Desta maneira, optei por praticidade e por madeira e tecidos claros trabalhando a brincadeira do off white e do branco. As poltronas moles Sergio Rodrigues em laranja na sala foi uma escolha da cliente. Ela é a pessoa da cor, eu fiz a observação do azul como lugar óbvio em uma casa de praia e ela optou por esse tom que dialogou perfeitamente com as outras escolhas. Essas poltronas tinham que ser as mais confortáveis porque é o lugar de interação na sala ou de conforto para apreciar a vista em um fim de tarde. E esta é uma casa brasileira, eu queria design brasileiro.
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bem solto, porque a cliente adora sentar-se no chão. Então, você pode colocar uma almofada neste grande tapete de fibra de corda náutica, e assistir à TV confortavelmente. O sofá Matriz do Jader Almeida, também é solto. Ele abraça quando você se senta ou se deita, mas não é tão profundo, o que é bacana para uma sala social também. Pensando na necessidade em um lugar com muita umidade, o tecido para o revestimento foi um acrílico italiano bem próximo da textura do linho, bem macio.
Houve uma padronização do mobiliário também. Nas áreas sociais, os tapetes são cinza claro. Para os quartos, off white. Nossa ideia de sempre deixar tudo claro no mobiliário foi iluminar a casa. Se a gente usasse qualquer cor escura iria pesar à noite com poucas paredes e a estrutura de madeira. Então, quando a gente decide escolher o laranja como protagonista, a gente rebate trabalhando com esses outros tons.
Jornalista: A cozinha e a sala de jantar também seguiram essa premissa?
FC: Sim. A cozinha a gente integrou e deixou no padrão de todas as áreas molhadas. Fiz esse balcão como opção para uma refeição rápida. As banquetas são em aço, da Cremme, para brincar um pouco com o carbono preto. A cliente é vegetariana, então, fizemos esse porta-tempero especial para ela, já que usa muitos condimentos.
Na sala de jantar, mantive a base da mesa que já estava ali, preservando a história, já que foi um presente do Zanini de Caldas para o primeiro proprietário da casa. Aumentei o tampo para oito em vez de cinco lugares. O ponto de partida para as cadeiras era conforto e a estética repleta de materiais naturais. Essas do Jader Almeida, com braços e palha envernizada, encaixaram perfeitamente.
Como não foi possível colocar um pendente do teto, já que venta muito, optei por essa luminária Lamp Gras 213 Double, com design francês de Bernard-Albin Gras com design francês que eu adoro, e coloquei na divisória da veneziana. Simples e elegante.
Jornalista: A gente sente que as escolhas na área externa nos convidam a encontrar um lugar para assistir ao mar...
FC: Esta foi a proposta. Todas as escolhas foram orientadas pela necessidade de um traçado bem clean para valorizar a casa e esse espetáculo à nossa frente.
No deck externo, eu usei tudo da Saccaro. Essa linha de sofá modular com estrutura de alumínio é própria para ambientes externos. A mesa Matriz do Jader Almeida com cadeiras da Dpot juntamente dos sofás e espreguiçadeiras Saccaro voltados para a vista têm um design ótimo para relaxar e contemplar a vista. Aqui, mais uma vez pensei na umidade, além do ambiente externo. Queria um material natural ao toque para o revestimento dos sofás, mas que tivesse durabilidade. Encontrei um tecido francês para barcos que caiu perfeitamente.
A rede é um trabalho indígena maravilhoso e foi comprada na Dpot Objeto. Já havia uma rede ali, ao lado da área da churrasqueira, e optamos por mantê-la.
Jornalista: Essas luminárias de piso complementam e fazem a diferença no deck.
FC: Como eu iria levar luz para um deck que não tem teto? Encontrei essas luminárias italianas da Foscarini de diferentes formas e tamanhos que eles chamam de Gregg e eu chamo de seixos. Elas são fixadas no chão e podem tomar sol e chuva, são excelentes para a iluminação externa. Além disso, fiz uma brincadeira na árvore do deck principal com luminárias, também da Foscarini, enroladas nos galhos e que proporcionam um detalhe inusitado.
Jornalista: A casa para ser usada o ano todo inclui essa sauna, não?
FC: Sim, eu ampliei e envidracei a sauna toda. Você se deita ali e vê o pôr do sol ou fica olhando para o mar – lembre-se: estamos em um refúgio. Há tipos diferentes de iluminação – mais baixa que não ocupa o olhar e fica à meia luz e a iluminação geral. Como venta muito, há uma antessala próxima ao banheiro na saída da sauna. Assim, em dias de muito vento ou frio a ida ao deck é uma opção. No deck ao lado, próxima à ducha, coloquei uma mesinha bistrô, para um vinho, algo do tipo, e mais duas poltronas para relaxar depois de uma ducha gelada e/ou da sauna.
Jornalista: Houve Serviço de Curadoria Felipe Carolo aqui?
FC: Neste grande F5 que demos nesta casa, tem sim. É louco pensar das vigas de sustentação à escolha das xícaras. Uma casa é uma experiência e isso inclui os detalhes. E eu, como uma pessoa que adora casa, junto da confiança da cliente, fiz tudo com muita alegria e prazer de escolher cada um desses detalhes.
Compramos tudo novo. A intenção para os quartos foi a de ter a sensação de estar em um hotel boutique – Todos os lençóis e toalhas são brancos como de hotel.
Além de escolher as roupas de cama e de banho, os aromatizadores para os espaços, eu treinei os funcionários.
Porque se é uma experiência completa tem que ter a presença olfativa e a gente colocou um cheiro por toda a casa. A premissa era não pode cheirar mofo e meu cuidado é para que isso nunca aconteça. Além disso, os aromatizadores foram pensados para marcar a casa da praia para a proprietária e seus convidados. Uma memória olfativa.
Na cozinha, as escolhas foram pensadas também no conforto visual. Uma mesa de café da manhã repleta de cerâmicas coloridas em tons pastéis junto do jogo de jantar no mesmo padrão e dos jogos americanos handmade dão um excelente bom dia para desfrutar de tudo o que foi pensado com tanto apreço por todos os espaços da casa.
Jornalista: Você pondera as peculiaridades da casa em todo o processo!
FC: É uma casa de madeira em uma encosta vulnerável às intempéries o tempo todo. Ela está virada para o mar aberto na fachada sudoeste. Isso traz duas coisas: quando é inverno, venta muito, porque o vento vem do Sul. Há um ciclone extratropical lá no Sul que joga rajadas de vento entre 100m e 150m por hora na casa. Isso faz, por exemplo, com que todo o mobiliário da área externa precise ficar preso ao chão.
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Eu faço a manutenção desta casa e acompanho a previsão do tempo para cuidá-la. Casa de praia já exige um cuidado maior devido à maresia. Uma casa de frente para o mar, mesmo a 60m de altura, de onde arrebentam as ondas sofre com a sujeira e a deterioração dos materiais. O sol e o calor também viram um problema, porque, por ser toda de madeira, a casa balança e dilata mais do que o normal. Então sim, ela exige manutenção atenta o tempo todo e, por isso a praticidade foi um dos outros pontos de partida para as escolhas.
Foi um pouco antagônico porque eu coloquei mais vidro e isso não é prático para a limpeza, mas eu precisava deixar essa construção ainda mais especial com a vista invadindo o interior. Descobri produtos e maneiras mais adequadas para tirar a maresia das janelas e ajudei os funcionários para isso.
É preciso tomar cuidado com ferrugem e mofo todos os dias. Não há muitas almofadas, porque mofam. Não colocamos muitos tapetes pelo mesmo motivo. Não é possível 1% de fibra natural ali resistente à umidade. O que eu tenho de tecido? Acrílico e poliéster. Que pode juntar um pouco de mofo, mas que sai na lavagem e não gruda o cheiro. Você lava, seca e coloca no lugar. Os tapetes que ficaram são todos de corda náutica, acrílica. A minha luta diária da casa hoje é não ter mofo porque a minha cliente é alérgica.
É uma casa deslumbrante: você vê arco-íris no meio do mar, vê a lua cheia nascer alinhada com reflexos na água. É uma obra de arte que deve ser tratada e cuidada como tal.
Jornalista: Há obra junto dessas manutenções?
FC: Esta é uma casa que continua em obras hoje. Estamos cuidando da segurança e, no momento, colocando mais de 480 grampos para contenção do terreno.
Estou, junto de uma equipe de quase dez engenheiros e geólogos, fazendo uma contenção de uma área de 28m de altura por 20m de largura. Usamos uma técnica que tem menos de dez anos para conter o maciço onde se encontra a casa e, assim, drenar a água do solo. Teremos novidades desta casa viva logo mais.
Jornalista: Ou seja, acompanhem este site porque a história junto deste projeto maravilhoso continua!
Fotos: Ruy Teixeira