ESCRITÓRIO PINHEIROS, 70 m2

respeito ao tempo

Jornalista: Felipe, você conseguiu um imóvel para resumir o seu trabalho, não?

FC: É, uma casa antiga transformada e atualizada sem descaracterizá-la.

Jornalista: Exatamente isso. Este espaço diz muito sobre os seus projetos, sua maneira de trabalhar. Como você chegou aqui?

FC: Eu já estava em home office bem antes de virar necessidade por conta da pandemia de Covid-19. No final de 2021, com a demanda maior de projetos e, consequentemente, de equipe, resolvi tirar o meu escritório de casa, já que até então, meu espaço de trabalho era na minha sala de jantar.

  • Procurava por uma casa de vila, mas em São Paulo, conseguir uma é sorte grande e não foi desta vez. Porém, quando apareceu essa casinha da década de 1930, com 70m2, em uma rua sem saída de Pinheiros, fiquei bem interessado e fui visitar.

    Cheguei para a visita e o corretor era o mesmo que me ajudou a encontrar o meu apartamento. Então, ele já conhecia meu perfil. Ao me ver, me disse: “já brifei o proprietário. Você gostou dessa casa porque está velhinha e você vai reformar tudo”. Achei engraçado, entrei e me apaixonei. Ele estava certo.

Jornalista: Quais as principais mudanças para transformá-la em espaço comercial?

FC: Eu não tinha muito o quê descobrir no layout – eu tinha a minha sala e a sala da equipe na área de cima, onde eram os quartos, a sala de reunião no espaço da sala de estar, um único banheiro, a cozinha, e o jardim para receber clientes e usar como área de descanso.

Porém, por muito tempo, essa casa foi uma casa de aluguel, então, cada inquilino que chegou mexeu em uma parte de um jeito. Inclusive, na planta original. Uma casa com quase cem anos, quantas pessoas não viveram ou passaram por aqui... Eu quis cuidar disso.

uma casa com quase cem anos…

Jornalista: Por onde começou?

FC: A casa estava bem deteriorada, cheia de infiltração, o piso afundado, dois quadros de luz com diversos problemas. Então, a parte estrutural, elétrica e hidráulica, também por questão de segurança também, foi prioridade. 

Depois, voltei à planta original. Na época em que foi construída, era comum a porta do banheiro abrir direto para a cozinha, era a área molhada do imóvel. Assim, a escada que desce das salas dava direto na cozinha. Mantive a porta, mas fiz uma parede pequena de separação do hall da escada e saída do banheiro separando os ambientes.

a idéia FOI fazer uma caixa colorida, amarela mais mostarda, e um jardim na área de banho. Funcionou e ficou contemporâneo junto Da estética da casa.

Jornalista: Sendo o único banheiro, tenho certeza de que você mexeu bem...

FC: Sim e não. A primeira questão foi com o material que iria usar para não gritar tanto com a identidade da casa. É uma casa antiga, não fica bem um porcelanato, pastilha. Escolhi o ladrilho hidráulico, já que é a coisa mais secular que tem e que dialogaria com os outros ambientes. 

Sendo material novo, não precisaria ter uma cara de ladrilho hidráulico da década de 1920 ou 1930. 

DETAKHE BANHO2

Jornalista: A cozinha passou pelo mesmo processo?

FC: Praticamente. A cozinha já tinha sido muito alterada e a condição dos materiais já não era boa. Então tirei e refiz tudo, armários, bancada. Eu refiz a cozinha praticamente inteira, mas mantive a estética original. 

  • Conservei os pisos, que são de cerâmica, um sextavado e o fundo de caquinho vermelho, clássicos. E as paredes eu refiz como eram as existentes. Quando eu tive que remendar o azulejo, procurei exatamente o mesmo azulejo do mesmo modelo, da mesma cor e do mesmo acabamento que existia antes. A gente foi atrás de cemitério de azulejos e refez essa faixinha azul de novo. Tentei trazer o desenho do armário da cozinha, que é esse almofadado que a gente fala. Trouxe isso porque as portas existentes têm essa moldura. Reproduzi para preservar esse padrão estético que era da casa. 

Esta cozinha foi equipada para ser uma cozinha de escritório, para refeições rápidas, sem preparo. A escolha da cuba farm house vem dessa ideia de brincar e trazer essas lembranças de estéticas mais antigas, de casa de campo também. Um toque divertido e mais interessante do que uma pia de inox, por exemplo.  

procuro exatamente o mesmo azulejo do mesmo modelo da mesma cor e do mesmo acabamento que existia antes.

Jornalista: Como foram solucionados os espaços de trabalho?

FC: Lá em cima eu fiz o básico – recuperação do piso, elétrica, iluminação. Recuperação completa das janelas, laqueei, troquei fechaduras de portas.

Na minha sala a prioridade foi ter um espaço de diálogo entre mim e quem se senta para uma reunião menor, com mais privacidade. Já na sala da equipe, o direcionamento foi o potencial de crescimento do pessoal e, portanto, da demanda de espaço. Hoje tem duas grandes mesas com quatro computadores, porém com ponto para seis. E mais uma mesa no canto com espaço para mais dois funcionários. É uma sala onde estão quatro, mas cabem oito.

Jornalista: Como foram as escolhas para o mobiliário?

FC: As mesas brancas da sala da equipe eu desenhei. As cadeiras do pessoal são Fernado Jaeger. Eu não tenho um espaço só para amostras, porque se tenho como lema não repetir, eu não preciso de acervo. Então, eu montei essa estante com desenho inspirado em uma estante italiana chamada Estanteria Morelatto. Achei essa bárbara pela possibilidade da mudança de configuração. 

São quatro pilares que vão se encaixando em diferentes alturas. Ela é completamente modular e eu posso mudar as prateleiras de lugar, ampliando os espaços. Perfeita para locais em transformação. 

Na minha sala, as principais escolhas são a tapeçaria do artista baiano Renot e uma obra a óleo que foi do meu  avô. Na sala da equipe, os quadros da Bauhaus de posteres da década de 1960, que eu ganhei de uma cliente antiga e muito querida. A minha mesa é a Volpi, da Alessandra Delgado, inspirada no Alfredo Volpi, e a cadeira é Herman Miller. 

Jornalista: Essa escada também passou por transformação?

FC: Eu me apaixonei por essa escada de cara, e sim, fiz uma restauração completa-tirei os pinos que existiam para colocar carpete, um hábito de decoração da época em que a casa foi feita, e deixei na madeira original. 

Jornalista: A sala de reunião foi muito bem resolvida no espaço da sala de estar.

  • FC: O principal de uma sala de reunião é a mesa, e eu tenho dificuldade com mesa retangular, com essa coisa de cabeceira. Gosto da disposição da mesa redonda, da democratização dos lugares que ela proporciona. Mas aqui, uma mesa redonda iria atrapalhar a circulação. Encontrei esta oval do Fernando Jaeger que possibilita agregar pessoas no mesmo modo da redonda. As cadeiras Caymmi são do Estúdio Marcelo Toledo. 

    Antes da decoração, eu mudei o piso da sala e integrei com o do hall da escada. Troquei o rodapé e padronizei a casa toda. A porta de entrada eu restaurei completamente, troquei maçaneta e dobradiça, laqueei. Fiz essa parede como estante decorativa, já que a ideia de integrar os ambientes não foi possível por ser uma parede estrutural. 

    Na janela que dá para a área externa, além da cortina, eu queria muitas plantas para aumentar a privacidade.

O paisagismo do escritório todo é do Studio Clariça Lima, uma amiga paisagista especialista em plantas tropicais que resolveu isso para mim

Jornalista: Então ela quem assina esse jardim delicioso?

FC: Sim, ela é a responsável por trazer o verde e o olhar para baixo, já que há um paredão vizinho de 7m de altura. Árvore jasmim manga, trepadeira, bananeira e outras folhagens trouxeram vida ao espaço.

“E o que eu vou fazer de revestimento nas muretas?”, pensei. Comprei muito azulejo hidráulico para o banheiro e a ideia de revesti-las com o mostarda dos ladrilhos foi da Clariça. Ficou colorido, despretensioso e num lugar fora da minha zona de conforto. Acertado.

Jornalista: Mais uma vez resumindo o seu trabalho.

FC: Muito. O jardim foi pensado para ser área de descanso da equipe, para receber um fornecedor, um cliente, um amigo. Tinha que ser uma área de duplo uso.

As poltronas em rosa com ferro preto entraram nesse clima mais colorido. O tapete é de palha de taboa da Leva Oficina. Gosto muito dos materiais naturais e, sei que um dia vão acabar. Por isso, não tenho questões em deixá-los na área externa.

Uma das coisas legais desse projeto é o uso de materiais naturais. É com isso que eu gosto de trabalhar e me sinto à vontade para explorar. E claro, ter feito um escritório com cara de casa, com respeito ao tempo e repleto de histórias para contar.

fotos: Marco Antônio

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