APARTAMENTO HORTÊNSIA, 290m2
casa bordada
Jornalista: Dentre os seus projetos, vejo este como o mais diferenciado.
Felipe Carolo: E é. Este é um apartamento de campo de uma família que o frequenta desde a década de 1980. Claro, já não o frequentam como frequentaram um dia, com todos juntos e as filhas crianças, hoje, adultas. Por isso, fui chamado para dar uma nova cara ao espaço.
Quando cheguei no apartamento, me senti de volta aos anos 1980. Toda a estética, o mobiliário, objetos e eletrodomésticos eram daquela época. Tudo o que você pode imaginar: geladeira, fogão, liquidificador, TV. Absolutamente tudo. Havia bichos de pelúcia e coleções de pantufas das mulheres quando ainda meninas, muita memória afetiva por todos os cômodos.
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era de um amarelo cansado, repleto de madeira escura, tapetes de carneiro. O pedido foi: você pode fazer o que quiser com os móveis. Reformar, restaurar, mas comprar novo só o extremamente necessário.
Então como eu faço? Eu preciso manter a alma da casa. A casa é esse acervo de memórias da família, eu não tenho como mudar isso. É a cara da casa. E eu não posso gastar, né?
Mesmo assim, tenho que manter a minha estética e o meu conceito para encaixar no que a cliente me pediu. E eu acho que é aí que se chega em um lugar mais personalizado ainda. Nessa troca e nas coisas que abro e não abro mão.
Fiz algo
que não é a minha zona de conforto
Jornalista: E isso limitou as suas escolhas?
FC: Todo cliente vem com uma demanda e um desafio. E a gente sempre trabalha com o melhor que a situação possibilita. Neste caso, o primeiro pedido foi para resolver a pouca água quente dos banheiros. Cada uma das três áreas de banho tinha um boiler para aquecedor elétrico. O máximo possível seria um banho quente de 5min. Um grande problema em uma cidade de inverno rigoroso.
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E aí estava ele: atualizar a decoração e resolver o problema dos banheiros, o que demandaria boa parte do meu orçamento. Não limitou, mas foi o meu guia dentro da proposta de manter a atmosfera, porém, atualizada.
Eu precisava fazer a obra, que era o básico, revisar hidráulica, a elétrica. Afinal, em uma cidade de turismo de inverno, todo mundo coloca um aquecedor na parede, uma tomada a mais para televisão, secador, milhões de coisas.
Precisava desta manutenção. As paredes não tinham reboco fino, não tinham massa, não eram lisas. Então, tive que emassar todo apartamento.
Jornalista: Quais foram as principais modificações da sala?
FC: A principal questão da sala era a televisão que ficava em um móvel com rodinhas que andada pra lá e pra cá. Era uma TV de tubo em um móvel. O lugar principal da sala é a lareira. Na hora de ver TV era: puxa o carrinho! Não havia TV a cabo e nem internet no apartamento.
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Onde eu iria colocar? Em cima da lareira como fazem os americanos de jeito nenhum! Então solucionei com um móvel que eu havia desenhado para a minha casa e que deu muito certo. Um móvel onde você coloca também a TV, mas uma TV contemporânea, e pode virar para onde quiser.
Você entra no apartamento e não vê a TV, porque ela está na diagonal. O móvel é discretíssimo e você carrega de um lado para o outro. Quando você se senta no sofá, você está de frente para a TV, porque o móvel pega todo espaço de visão. Foi a solução encontrada para criar uma sala com dois ambientes sem parede para isso.
Continuou sendo um móvel, mas sem rodinha. Evoluí e atualizei a TV para encaixar no conceito da casa.
Jornalista: Você ousou nas cores neste projeto!
FC: Essa casa é escura, ela não é para ser branca. Eu começo a pensar e pesquisar muita referência e fico encantado com algo que eu digo: preciso disso. Fiz algo que não é a minha zona de conforto, fiz uma cozinha meio provençal com moldura nas portas dos armários verde acinzentado porque as paredes eram bege acinzentado e o piso terracota.
E para a sala, olhei um sofá verde musgo e falei: vai ser o sofá de Campos. Troquei duas poltronas dessas do tipo do papai por cadeiras mais modernas, com design, revestidas de um tecido bem agradável.
Jornalista: As cores também estão nas obras de arte por todo o apartamento...
FC: É onde eu gosto de colocá-las: pontualmente. Eu começo a procurar e descubro que há obras de Djanira, Keneddy Bahia, Glaucio Costa e muitas tapeçarias de toda América Latina. Troco a moldura do que eu acho mais interessante, dou destaque na sala, e distribuo o restante pela casa. Tapeçarias, aliás, vão para os quartos junto de roupas de cama personalizadas e, mais uma vez, completamente fora da minha zona de conforto, mas com a cara da família.
Jornalista: Houve mudança grande nos quartos?
FC: Eu mudei a configuração do apartamento e troquei quatro quartos por três suítes, já que a família não o utilizava mais da mesma maneira. Não vão todos juntos a Campos.
Eu fecho um quarto, faço uma suíte e o outro quarto eu faço um escritório, porque em um momento, como o que tivemos de pandemia, de urgência em trabalhar de casa, ou numa esticada de feriado, eles gostam de trabalhar.
Jornalista: E os objetos antigos, foram todos embora?
FC: De jeito nenhum. Foram para a estante expostos e como parte da história da casa e da família. Ali ficaram também os colecionismos.
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Jornalista: Neste projeto teve Curadoria Felipe Carolo então?
FC: Como uma boa casa de campo, as roupas de banho e de cama eram peças não mais usadas em casa que foram parar lá. Como tudo era estampado antes, das cortinas, que eu troquei por lisas em linho, aos azulejos dos banheiros, achei que pelo menos a roupa de cama deveria permanecer no mesmo estilo. Encontrei esse tecido lindíssimo bordado e coloquei nos três quartos. São sutilmente diferentes nos tons.
E fiz os duvets da cama, porque não precisava mais de colcha, mas sim de bom edredom revestido de duvet. Em cima, uma almofada de crochê bordada cheia e fofa, que abraça.
Jornalista: Houve algum pedido especial?
FC: Para iluminar a casa, já que era muito escura. Era um apartamento antigo, de uma época em que não utilizávamos tanta tomada e tanta luz. Não havia gesso para colocá-la embutida e a cliente não gostava de lâmpada focal.
Solucionei com um globinho de vidro para fazer toda a iluminação de passagem, um monte de bolinha pela casa, e na cozinha também. Coloquei dois mega plafons de tecido na sala que também trazem essa coisa mais aconchegante.
E ela tinha vários abajures em estilo inglês. Distribuí em cada lado do buffet, na de jantar, um logo que você entra e dois, um em cada lado do sofá. Você aperta apenas um botão e todos se acendem de uma única vez, porque tinha que ser prático e confortável.
Jornalista: O que foi prioridade neste processo?
FC: Os banheiros, que foram o ponto de partida do projeto. Você pode imaginar, nas décadas de 1980 e 1990, os banheiros eram temáticos. Cada banheiro era de um tom. Um era âmbar, outro era verde e o terceiro era cinza. Os puxadores, as papeleiras, os utensílios todos em acrílico colorido.
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Eu resolvo a parte da infraestrutura e coloco aquecedor a gás de passagem, restauro todas as portas para fosco que vai trazer modernidade, essa coisa da madeira que é Campos, mas com ar contemporâneo da casa inteira.
Vejo os banheiros e penso: como faço isso dialogar com o restante do apartamento? Porque eu não posso colocar um banheiro de porcelanato de 90cm por 90cm e não posso colocar um banheiro de mármore com o meu orçamento. Já sei. Vou usar o padrão, azulejo 20cm x 20cm.
E eu usei a estética dos armários almofadados nos gabinetes dos banheiros todos padronizados em carvalho americano, bem clarinhos. E como a louça e a bancada já eram brancas, optei por deixá-las em branco mesmo.
Jornalista: O que foi único neste projeto?
FC: Esse foi o mais bordado de todos os projetos que eu já fiz. A minha fidelidade foi não tirar a memória e o afeto desse espaço. Esse foi um projeto que eu usei seis tipos diferentes de madeira. E ficaram todas em equilíbrio e harmonia.
Jornalista: Um belo bordado!
fotos Ruy Teixeira